Pesquisa brasileira avança na criação de jogos controlados pela mente

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Estudo desenvolveu dois jogos utilizando dispositivos comerciais de EEG

Paulo Pinheiro – CCET/UFRN
Fotos: Gabriel Vasiljevic/Cedidas

Já imaginou usar seu cérebro para controlar um computador, manipular jogos ou até mesmo controlar membros sintéticos? O que torna isso possível são as Interfaces Cérebro Computador (ICCs), uma tecnologia que consiste em traduzir pensamentos (interpretados como sinais elétricos) para ação, sensação e percepção. Essas interfaces são tema central do estudo de Gabriel Alves Vasiljevic Mendes, professor do Instituto Santos Dumont (ISD) e egresso do programa de Pós-graduação em Sistemas e Computação (PPgSC) do Departamento de Informática e Matemática Aplicada (DIMAp), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Com base em uma revisão sistemática de literatura com mais de 800 artigos, o estudo desenvolveu dois jogos utilizando dispositivos comerciais de EEG e, a partir dos testes com voluntários, propôs três contribuições principais: um modelo conceitual para representar e desenvolver jogos de interface cérebro-computador (ICC) baseados em EEG; a taxonomia CoDIS, que classifica estudos da área segundo quatro facetas — conceito, design, implementação e estudo, com um total de 48 dimensões; e a metodologia PIERSE, voltada ao planejamento e execução de experimentos científicos com esses jogos. 

Mental War, o primeiro jogo desenvolvido para o estudo

Essas ferramentas oferecem uma estrutura unificada para descrever, comparar e reproduzir pesquisas nesse campo emergente, integrando terminologias e métodos das áreas de ICC e de desenvolvimento de jogos. O estudo, disponível no Repositório Institucional da UFRN, foi desenvolvido junto ao Grupo de Pesquisa em Artefatos Físicos de Interação (PAIRG) da UFRN.

O trabalho recebeu reconhecimento em premiações nacionais e internacionais, incluindo o 1º lugar na categoria Doutorado do Concurso de Teses e Dissertações do 22º Simpósio Brasileiro de Jogos e Entretenimento Digital (SBGames 2023), o 3º lugar na categoria Mestres e Doutores da 30ª edição do Prêmio Jovem Cientista, além de ter sido eleito a Melhor Tese de Doutorado no Concurso de Teses e Dissertações em Interação Humano-Computador, no Prêmio Junia Coutinho Anacleto. Além disso, o estudo vem sendo publicado em diversos veículos relevantes, contando com 238 citações no Google Scholar, além de mais de 10 mil visualizações e downloads dos artigos resultantes da pesquisa.

Desempenho e experiência em Jogo

O primeiro dos jogos estabelecidos, chamado de Mental War, foi criado em uma arquitetura cliente-servidor, permitindo tanto jogabilidade offline, contra jogadores artificiais, quanto online, em grupos de até seis pessoas divididas em dois times. O segundo jogo, intitulado Zen Cat, permitiu explorar como os elementos sonoros da interface podem influenciar na carga de trabalho mental e no desempenho dos participantes. Os dois projetos foram testados e validados em estudos-piloto antes de serem empregados na pesquisa.

No jogo Zen Cat, o dispositivo de eletroencefalografia mede o relaxamento dos usuários e,, com o neurofeedback, realiza o avanço do personagem

Outros três experimentos controlados foram implementados para verificar a interação das pessoas com a interface. Por meio de EEG, o primeiro experimento buscou identificar como a interface gráfica influencia na atenção e na percepção de controle dos envolvidos durante o jogo. Ao longo de seis sessões experimentais com um total de 240 partidas, todos os sujeitos jogaram com e sem feedback visual em relação aos seus estados mentais. Isso auxiliou a medir o desempenho em diferentes circunstâncias e em diferentes tipos de jogos.  

O experimento expôs que o desempenho aumentou com o passar do tempo. Por outro lado, o controle de atenção não melhorou, ainda que uma melhor performance tenha sido registrada. Evidenciou-se ainda que a interface gráfica não afetou a atenção dos usuários e nem o controle e tempo das partidas

O segundo teste utilizou o Zen Cat, que foi controlado com base na avaliação do relaxamento mental dos usuários. Foram separados dois grupos de sujeitos (com e sem estímulo auditivo) que participaram em três sessões cada, totalizando 144 partidas, para analisar os efeitos tanto do tempo quanto dos estímulos no desempenho e carga de trabalho mental. Após a análise dos dados, percebeu-se que o desempenho dos participantes tende a aumentar ao longo do tempo, enquanto a carga de trabalho auto-reportada tende a decair, bem como que a presença de estímulos auditivos não influenciou nos níveis de meditação ou carga de trabalho dos sujeitos.

Gabriel Vasiljevic, atualmente professor e pesquisador do Instituto Santos Dumont (ISD)

O terceiro experimento investigou a interação entre múltiplos jogadores, especialmente quanto à experiência e à interação social durante o jogo. Para a coleta de dados quantitativos e qualitativos, usados para medir interação individual tanto com a plataforma de ICC quanto com outros jogadores, dois grupos foram divididos em pares, classificados em competitivos e colaborativos. 

Os resultados demonstraram correlações significativas entre desempenho e prática do jogo, sem nenhuma diferença estatisticamente expressiva no que cabe ao desempenho colaborativo e competitivo. Contudo, jogar competitivamente resultou em uma leve melhoria no resultado dos usuários.

Esses dados explicitaram que jogos controlados por ICCs podem ser feitos utilizando de dispositivos de EEG comerciais, com foco no design de interação. Isso permite maior acessibilidade a esse tipo de sistema, podendo ser aplicado a outras situações do dia a dia como educação, treinamentos, reabilitação e comunicação. 

Modelo, taxonomia e metodologia

Os três experimentos, as revisões de literatura e as implementações foram a base para o modelo funcional de jogos em ICC controlados por EEG. A criação do modelo foi o primeiro passo para unificar a terminologia das áreas multidisciplinares relacionadas a estes sistemas. Com base nisso, surgiu a taxonomia CoDIS, um recurso destinado a classificar e comparar estudos científicos que utilizam jogos de ICC. O aparato expande a representatividade do modelo ao incluir qualquer estudo que envolva o uso de jogos de ICC controlados por EEG, permitindo sejam classificados em várias dimensões, de acordo com os objetivos do pesquisador.

A avaliação do modelo e da taxonomia desenvolvidas expôs que as duas ferramentas não poderiam, por si só, guiar novos estudos empíricos que utilizam jogos baseados em ICC em suas tarefas experimentais. Foi desenvolvida então a metodologia PIERSE (Planning, Implementation, Execution and Reporting of Scientific Experiments), formada com um conjunto de procedimentos para o planejamento, implementação, execução e relato de experimentos científicos que empregam jogos de ICC baseados em EEG como uma forma de responder a uma questão de pesquisa. 

De acordo com Gabriel, a ideia é que, quanto mais barato, fácil, rápido e lúdico for o uso do sistema, mais pessoas terão acesso à essa tecnologia, principalmente pela rede pública de saúde. “Os próximos passos envolvem criar modelos matemáticos, técnicas de Inteligência Artificial e interfaces mais robustas para representar e decodificar a atividade cerebral com maior facilidade; diminuir o tempo de treinamento para seu uso, possivelmente com técnicas de gamificação; e diminuir o custo com equipamentos”, completa o pesquisador. LEIA NO PORTAL UFRN

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