Em “Uma Negra Comédia”, Fábio Gonçalves narra a história de um jovem que nasce, cresce e amadurece na periferia à medida que traça um retrato multifacetado do Brasil
O protagonista-narrador de Uma Negra Comédia permanece sem nome do início ao fim. Talvez em razão de ser uma história parecida com a de muitos brasileiros, mas também porque a própria narrativa em primeira pessoa já torna sua vida tão única que dispensa uma identidade definida. Neste novo livro de Fábio Gonçalves, o personagem principal é um garoto que cresce e tenta se compreender no mundo diante de uma realidade violenta na periferia de São Paulo.
Nascido nos anos 1990, mora no Jardim Luso, favela que faz divisa com Diadema, à época considerada a cidade mais perigosa do Brasil. Filho de uma família de quatro irmãos de diferentes pais, muitas vezes assume o papel de cuidador da casa enquanto a mãe trabalha como empregada doméstica em uma região nobre da capital e lida com as agressões do padrasto, o proprietário do cortiço onde todos residem.
Neste contexto, o garoto relata experiências íntimas sobre amor, amadurecimento e perspectivas de futuro ao passo que é constantemente impactado por questões externas. Enquanto experimenta felicidades e frustrações do primeiro romance na infância, descobre as consequências fatais do crime, entende a influência do tráfico na comunidade, encara a falta de oportunidades para os jovens periféricos, percebe os impactos da violência doméstica e compreende as nuances das desigualdades socioeconômicas.
Manhã de chuva, tempo feio, São Paulo coberta por uma grossa manta enfarruscada. Minha rua, feita de barro e pedregulhos, desmanchava-se num lamaçal escorregadio que desencorajava os moradores dos barracões e cortiços. Só saíam os trabalhadores, pulando poças, equilibrando sombrinhas, agarrando-se em portões alheios, sendo mal-recebidos pelos cães, que eram tantos e tão sem-cerimônia. Daí chegavam ao ponto final do Jardim Luso e entravam com os pés barrentos e as jaquetas molhadas e as sombrinhas gotejantes no ônibus que os levaria ao Interlagos, ao Brooklin, ao Morumbi. Estava lá a minha mãe. (Uma Negra Comédia, p. 23)
Em Uma Negra Comédia, os leitores adentram o universo íntimo do narrador, mas também se conectam com os personagens ao seu redor. Nandinho é o irmão mais velho, um homem carismático, pagodeiro e mulherengo que tenta o sucesso fora da favela; Sofia é uma pessoa com deficiência e precisa de cuidados, mas é negligenciada pela mãe que lida com a falta de tempo e a saúde fragilizada; Luana é a caçula, que se torna independente rápido demais; Dona Marta é a matriarca, que saiu da roça de Minas Gerais para trabalhar na metrópole; e Mestre Caruso é um professor de karatê que tenta transformar a vida dos jovens pelo esporte.
Com capítulos curtos e uma narrativa fragmentada, o autor une o lirismo à coloquialidade para reforçar a autenticidade literária das expressões cotidianas da periferia de São Paulo. Entre doses de humor, tragédia e ironia, expõe problemas profundos da sociedade brasileira sob o olhar de um menino que se entende como sujeito ao longo do enredo e carrega em si uma introspecção hamletiana frente a cenas assustadoras.
Criado em Diadema, Fábio Gonçalves explica: “escrevi este livro para registrar realidades que pude observar, de perto, na minha infância, adolescência e início da vida adulta. É uma tentativa de pintar, com olhar autônomo e sincero, sem o auxílio das lentes dessa ou daquela ideologia, um quadro da minha realidade que, sob vários aspectos, é paradigmática e representativa de problemas crônicos do nosso país”.
FICHA TÉCNICA
Título: Uma Negra Comédia
Autor: Fábio Gonçalves
Editora: Danúbio
ISBN: 9786588248423
Páginas: 228
Preço: R$ 81,20 (físico) | R$ 23,90 (e-book)
Onde comprar: Amazon
Sobre o autor: Fábio Gonçalves é professor de linguagens e autor de livros como Um Milagre em Paraisópolis (2020), Um Retrato do Doente e outros contos de Morte e Solidão (2021) e Peroba, romance inédito que ganhou o Prêmio de Incentivo à Publicação Literária, com o tema dos 200 Anos de Independência do Brasil, em 2022. Também escritor de obras infantis e didáticas, compôs o júri do Prêmio Fundação Biblioteca Nacional, em 2022, uma das premiações mais prestigiadas do país. Agora lança Uma Negra Comédia, que retrata as vidas das juventudes nas periferias. Nasceu em São Paulo, foi criado em Diadema e atualmente mora em Londrina, no Paraná.
Instagram do autor: @fabio.gcalves
