Taxação de grandes fortunas precisa “aprimorar critérios”, afirma especialista em direito tributário
Ubaldo Juveniz dos Santos Junior acredita que, dependendo de como o imposto for instituído, pode haver mais desigualdade
Vista como um dos principais desafios do atual Ministro da Economia, Fernando Haddad, a proposta de taxação de grandes fortunas – já apresentada ao Congresso Nacional em diversos textos – depende da aprovação de um Projeto de Lei Complementar (PLP), o que requer um quórum qualificado de aprovação: são 41 senadores e quase 260 deputados federais. Portanto, não é um tributo fácil assim ser aprovado. De acordo com o advogado especialista em direito tributário, Ubaldo Juveniz dos Santos Junior, sócio do escritório Juveniz Jr. Rolim Ferraz Advogados, há ainda outro grande desafio.
“Este imposto gera uma discussão sobre quais os critérios necessários para que seja criado, que seriam a previsão da sua hipótese de incidência, incluída a alíquota. E a base de cálculo, que vai definir o universo de contribuintes, tem uma carga subjetiva muito grande, a começar pelo que é e o que poderia ser considerado grandes fortunas. Por isso, existem um sem-número de projetos que estão parados no Congresso Nacional na tentativa de criar esse tributo”, afirma.
Durante o estágio mais crítico da pandemia da COVID-19, ao menos 4 novos projetos foram apresentados com o intuito de gerar receita nova para ajudar o Governo Federal a bancar os custos necessários e os prejuízos causados no momento. Um deles, por exemplo, classificou como grande fortuna aquele patrimônio que fosse superior 50 mil vezes o salário mínimo vigente, ou seja, mais de R$ 50 milhões. Outra descreveu como grande fortuna um patrimônio superior a R$ 10 milhões.
Vale lembrar que todas as propostas têm uma faixa de alíquota bem semelhante, que vai de 0,5% a 3% em incidência anual. Então, para quem tem patrimônio acima de R$ 50 milhões, por exemplo, nós estaríamos falando de uma tributação de até R$ 1,5 milhão todos os anos. Para o advogado, é um tributo que atinge o bolso dos mais abastados, mas que não resolve muita coisa.
“No exemplo, daqueles que têm fortuna acima de R$ 22 milhões, teríamos apenas 70 mil contribuintes, o que daria uma arrecadação de aproximadamente R$ 40 bilhões ao ano, enquanto os programas sociais do governo Lula vão ficar acima do teto de gastos em R$ 146 bilhões/ano. É um tributo que vem para fazer alguma justiça social, porém mais no aspecto moral para dizer que os mais abastados também pagam tributos, e não só os menos abastados”, diz.
Ubaldo Juveniz dos Santos Junior acredita ainda que, dependendo de como for instituído, este imposto pode gerar mais desigualdade. “O tributo das grandes fortunas só poderia incidir sobre as pessoas físicas, e não sobre as pessoas jurídicas, pois para estas já existe uma carga tributária própria e específica. E um problema da tributação das grandes fortunas nas pessoas físicas é que estas têm condições financeiras de evitar ou contornar essa tributação, como tirando o patrimônio do País. Então, mais uma vez, quem tem menos condição de usar mecanismos para elisão fiscal vai continuar pagando imposto, e quem tem grandes fortunas pode utilizar tais recursos a fim de evitar essa incidência”, finaliza.
Outro problema da tributação das grandes fortunas nas pessoas físicas é que as pessoas nesta situação também têm mecanismos de evitar e de contornar essa tributação, seja tirando o patrimônio do país, seja tirando o patrimônio da pessoa física, seja saindo do país para outra nação onde a tributação seja menor, seja fazendo qualquer outra coisa para se planejar sob o aspecto tributário e evitar essa incidência. Então, mais uma vez, quem tem menos condição de usar mecanismos para elisão fiscal vai continuar pagando imposto, e quem tem grandes fortunas vai utilizar mecanismos para elisão fiscal e voltar a pagar menos impostos.
Por ser imposto, diferente de uma contribuição, tem um regramento próprio antes de nascer, previsto na Constituição. O imposto atinge ou o consumo, ou o patrimônio ou a renda. No caso do imposto sobre o patrimônio, nós já temos o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), da competência dos estados; o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), de competência do município; e o Imposto Territorial Rural (ITR), competência da União.
Criar um imposto sobre grandes fortunas significa tributar de novo, obviamente de forma proporcional ao valor que este patrimônio imobiliário ou mobiliário possui na composição da fortuna. Assim, vamos ter uma dupla tributação sobre o fato gerador que é pura e simplesmente ser proprietário do bem. Se é latifundiário, já paga o IPTU e também vai pagar o imposto sobre grandes fortunas mesmo que sua grande fortuna seja concentrada em imóveis. Isso gera discussão tributária. Se o imposto sobre grande fortuna ficar restrito à disponibilidade financeira, como depósitos e aplicação financeira, você também terá a dupla tributação, porque já há tributação sobre os ganhos e, sobre o principal, vai pagar a tributação que possivelmente já foi paga quando houve a acumulação daquele patrimônio. “É um tributo dificílimo de instituir e, depois de instituído, vai sofrer ataques de todos os lados, trazendo o judiciário para o jogo”, afirma o advogado.