Estados do Nordeste e São Paulo possuem vários municípios cujos nomes são inspirados em cidades portuguesas: no total, são 77 ao redor do país
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Não é apenas o idioma que torna os brasileiros mais próximos dos portugueses. Nem só a alheira (ou a preguiça, como diria o historiador Sérgio Buarque de Holanda). A história que une os dois países tem mais de 500 anos de fluxos constantes além-mar — o mais famoso deles, talvez, quando a corte portuguesa veio viver no Rio de Janeiro para fugir de Napoleão Bonaparte, em 1808. É dessa época, mas não só, que muitas cidades no Brasil foram fundadas com nomes semelhantes aos de municípios do interior de Portugal.
Segundo o IBGE, para ser mais exato, são 77 cidades brasileiras cujas inspirações vêm da “pátria-mãe”. A maior delas é Santarém, no Pará, com cerca de 250 mil habitantes, que tem o mesmo nome da capital do distrito de Santarém, na província de Ribatejo, a 81 km de Lisboa. A menor é Braga, no Rio Grande do Sul, cuja proporção é inversa: enquanto o município gaúcho possui quatro mil moradores, a cidade portuguesa é uma das metrópoles do país, com cerca de 136 mil pessoas.
Outros locais são tão comuns que se alastraram pelo território brasileiro: Valença, no Norte de Portugal, a 482 km da capital, inspirou o nome de três cidades no Brasil: uma na Bahia (123 km de Salvador), outra no Piauí (224 km de Teresina) e uma terceira no Rio de Janeiro (162 km da capital carioca).
“É uma característica brasileira se apropriar de nomes diversos para batizar suas coisas. Não é apenas com as cidades e muito menos só com Portugal. Somos um povo com uma imaginação muito fértil. Se você pegar nomes de municípios, vai ver que existem alguns como Barcelona, Nova Iorque, Buenos Aires, São Francisco, Costa Rica, Tailândia e Colômbia”, diz o historiador Thiago Rocha, da Universidade Federal do ABC (UFABC).
Talvez a maior semelhança esteja entre Braganças brasileiras: apesar de existir uma no Pará, a 220 km de Belém e com 124 mil habitantes, a de São Paulo, com 173 mil habitantes, é considerada um dos principais motores da economia do estado e uma das melhores cidades para se viver no país. Em Portugal, a cidade de Bragança, capital do distrito de mesmo nome, na região de Trás-os-Montes, no Nordeste do país, possui apenas 24 mil habitantes, mas foi um dos principais centros do império português no passado.
Em Viagem a Portugal, publicado por José Saramago em 1981, o escritor português fez apontamentos críticos e ternos sobre a Sé Velha, construída no século XVI, e as muralhas do Castelo de Bragança, em Santa Maria, que cercam quase toda a cidade, além de elogiar o local onde se abrigou, o Museu do Abade de Baçal, onde conheceu a história do soldado José Jorge.
Outras cidades pelas quais Saramago passou que existem no Brasil são Amarante (há uma no Piauí), Guimarães (existe uma no Maranhão) e Miranda, pequena vila onde o escritor se encantou pela Rua da Costanilha, que remonta ao século XV, e cuja irmã brasileira fica no Mato Grosso do Sul — 206 km de Campo Grande.
E apesar de não ser o mesmo nome, os moradores de Santo António de Lisboa, a 343 km de Teresina, no Piauí, costumam se referir à cidade apenas com o último nome — o mesmo da capital portuguesa. Até pouco tempo atrás, Lisboa tinha um centro histórico velho e prédios estavam semi abandonados. Alguns quarteirões da região central da capital portuguesa eram terreno de traficantes e moradores de rua.
A cidade era uma demonstração da devastação da crise de débito europeia pós-2008. No entanto, em 2011 o país pediu um empréstimo internacional de €78 bilhões (R$ 343 bilhões) que reviveu o turismo na metrópole — companhias como a TAP iniciaram programas de “passagem” pela cidade antes de completar conexões para outras capitais européias. Uma realidade muito diferente da irmã brasileira, que possui apenas 6,3 mil habitantes e um dos piores PIB per capita do Brasil.
Outras cidades famosas que são inspiradas em municípios portugueses são Lages, em Santa Catarina, Crato, no Ceará, e Viana, no Espírito Santo.
Migrantes brasileiros
Vários dados ilustram a expansão dos fluxos de brasileiros para Portugal nos últimos anos: de 2016 a 2017, por exemplo, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras do país europeu concedeu mais de quatro mil autorizações de residência para migrantes do Brasil. De acordo com o órgão, hoje vivem 85,2 mil brasileiros em Portugal — a maior comunidade estrangeira na nação.
Esse número caiu nos últimos anos: em 2014, 87 mil brasileiros viviam em Portugal, de acordo com o serviço. O jornal Público diz que o dado pode ser maior, já que muitos migrantes do Brasil chegam ao território português com passaporte italiano e há outros que, após o vencimento dos vistos de turista, permanecem ilegalmente no país.
O professor e diretor de estudos da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), em Lisboa, Gonçalo Saraiva Matias, acredita que Portugal deve ver a chegada em massa de brasileiros à nação positivamente.
Para ele, além de pessoas qualificadas que vêm ao país europeu para recomeçar suas vidas, os migrantes do Brasil também ajudam a desacelerar as taxas de declínio demográfico que começaram em 2009, quando tanto cidadãos portugueses quanto migrantes do Leste Europeu abandonaram Portugal em um contexto de crise econômica.
“A única forma de combater esses saldos demográficos negativos é através de migrações. A natalidade é muito importante – e devemos desenvolver políticas nesse sentido -, o problema é que as políticas públicas só têm efeito em uma geração. E nós não temos esse tempo”, disse ele em entrevista ao Público.