Prestação de contas da atual direção da ABNT: um dever ainda não cumprido – Parte 3
Em sua prestação de contas, a atual diretoria da ABNT, do temido “Coronel”, Pedro Buzatto Neto, seu genro, Ricardo Fragoso, e o funcionário público, Carlos Santos Amorim, escreve: “A Diretoria da associação apresenta ao Conselho Deliberativo o Plano de Ação Anual, suas metas para o ano e suas atividades para atingir os resultados”. Se a normalização está diretamente ligada à competitividade de um país, e se o Brasil perdeu mais 18 posições no ranking das economias mais competitivas do mundo, caindo para a 75ª colocação, segundo o The Global Competitiveness Report 2015-2016, divulgado pelo World Economic Forum (WEF), alguma coisa está errada, pois esses resultados não aconteceram. Acompanhe o porquê disso e qual a culpa da atual diretoria da ABNT.
Hayrton Rodrigues do Prado Filho
A diretoria atual da ABNT precisa entender que a normalização assume uma importância decisiva nas economias modernas como uma ferramenta que apoia a oferta de produtos e serviços competitivos, seguros, eficientes, eficazes e que refletem as necessidades e expectativas da sociedade. Desempenha um papel fundamental no mercado globalizado, como um instrumento chave no acesso aos mercados, estabelecendo os requisitos que devem ser atendidos pelos produtos e serviços. Isto implica em um processo intenso de internacionalização da normalização que deve ser compreendido e que suscita novas abordagens e esforços.
Qual a culpa da atual diretoria da ABNT na queda de posições no ranking das economias mais competitivas do mundo?
E a atual diretoria da ABNT, além de não investir um centavo nos Comitês Técnicos, não está sendo honesta com os mais de 15.000 profissionais, participantes dessas comissões técnicas. Hoje, a ABNT, como o único Foro Nacional de Normalização, tem um custo praticamente zero para a elaboração das normas técnicas brasileiras, em relação ao custo dos setores e da sociedade.
Deve-se ser ressaltado que a quase totalidade dos Comitês Brasileiros de Normalização (ABNT/CB) ou os Organismos de Normalização Setoriais (ONS) não são custeados pela ABNT, mas sim pelos setores e pela sociedade. Os únicos custos da ABNT referem-se ao processo de votação nacional e ao processo de publicação da norma e não da sua elaboração em que reside 99% de todo o custo, incluindo-se aí, os custos de manutenção dos CB e ONS bancados pelos setores interessados e pela sociedade. E para onde vai o resto do dinheiro conseguido com a ABNT Certificadora e com as vendas das normas a preços astronômicos?
Não adianta simplesmente publicar um quadro, sem especificação de gastos, com os convênios no site. Para onde foi o dinheiro? Como dizem os americanos, follow the money, pois o dinheiro deixa rastros que muitas vezes levam até a atividades que não estão sendo especificadas.
A normalização vem crescentemente suportando e complementando as atividades de regulação do Estado. Em particular, o uso de normas técnicas em suporte à regulamentação técnica tende a facilitar a adequação do mercado a novos requisitos. Em alguns casos, a normalização contribui para a desregulamentação de setores e, até mesmo, para a não regulamentação.
Por outro lado, as necessidades e expectativas das sociedades têm evoluído e refletem-se na incorporação de novas dimensões e demandas relacionadas aos produtos e serviços que consomem ou usam, como os aspectos ambientais, os aspectos sociais, a segurança, o desenvolvimento sustentável, a responsabilidade social, para citar só alguns. A normalização tem sido um meio cada vez mais utilizado para refletir essas novas demandas e expectativas.
A normalização afeta também positivamente os processos de inovação e de disseminação do conhecimento. Estudos recentes confirmam que o impacto econômico e social da normalização é expressivo e deve ser levado em conta no estabelecimento de políticas públicas e nas iniciativas do setor privado.
As atividades de normalização no Brasil vêm sofrendo um importante impulso nos últimos anos como consequência do contexto apontado acima e também das reformas no Estado Brasileiro que vem sendo realizadas. A questão do planejamento da normalização brasileira vem sendo discutida e sido objeto de diversas iniciativas desde a reformulação do subsistema brasileiro de normalização no início dos anos 90, como resultado do Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade. O planejamento da normalização, aliás, é uma questão desde sempre essencial das atividades de normalização, mas, para facilitar a discussão que se quer aqui, convém destacar o papel central que lhe foi reconhecido naquela ocasião.
E qual seria a missão ideal dessa atual diretoria da ABNT? Não acredito que seus membros irão fazer, mas não custa nada propor. Uma participação no desenvolvimento de normas regionais e internacionais. Ou seja, investir mais para incrementar a participação na ISO/IEC e influenciar mais na participação de fóruns regionais e internacionais de normalização.
Deveriam investir mais na participação na formação, evolução e operação dos organismos regionais e internacionais de normalização, ou seja, liderar grupos de trabalho na ISO/IEC, realizar acordos internacionais e regionais de normalização e clarificar o uso de normas internacionais, regionais, nacionais, estrangeiras, associativas, de consórcios e de empresas.
Deveriam investir pesado em uma cultura pela normalização no país, na utilização da normalização para o acesso a novos mercados globalizados e manutenção da competitividade em mercados já alcançados. Ou seja, elaborar mecanismos de identificação de normas técnicas com potencial impacto na exportação de produtos brasileiros.
Essa cultura deveria integrar a pesquisa, desenvolvimento, inovação e a normalização, ou seja, integrar a normalização nas ações de pesquisa e desenvolvimento, e integrar a normalização às políticas públicas, notadamente, as políticas industriais. Deveriam incentivar os órgãos e agências regulamentadoras a utilizar a normalização como ferramenta para as regulamentações, a fim de clarificar a relação normas técnicas e regulamentos técnicos.
Também, deveriam promover o entendimento de como a normalização pode beneficiar as empresas, o governo, os consumidores e a sociedade como um todo. E divulgar os benefícios da normalização para as empresas, divulgar os benefícios da normalização para os consumidores e divulgar os benefícios da normalização para o governo.
Deveriam eliminar as redundâncias e sobreposições das normas, verificando os documentos normativos (normas técnicas e regulamentos técnicos) que abordem um mesmo tema. Muito importante, seria o incremento na qualidade dos processos e das ferramentas de normalização nacional, utilizando-se de forma eficaz a tecnologia da informação para os processos de elaboração de normas. E elaborar um plano de normalização brasileiro estratégico e coerente com as necessidades nacionais.
Deveriam investir no desenvolvimento de normas que reflitam o equilíbrio das necessidades de todas as partes interessadas, ou seja, incrementar a participação dos meios acadêmicos, instituições de pesquisa, etc. na elaboração de normas. Fundamental o desenvolvimento de ações de educação e formação para a normalização, elaborando os mecanismos de inserção do tema normalização nos diversos níveis educacionais.
Fundamental é a acessibilidade às normas técnicas pelos diversos segmentos da sociedade, articulando para que as normas técnicas brasileiras sejam disponibilizadas para a sociedade de maneira eficaz, acessível e de maneira ampla. E estabelecer mecanismos para que o acesso a normas internacionais, regionais, estrangeiras e de âmbitos específicos (como especificações ou normas de consórcio) seja facilitado.
Deveriam incrementar a participação de micro, pequenas e médias empresas na normalização, ao elaborar mecanismos que incrementem a participação no processo de normalização e o acesso às normas técnicas pelas micro, pequenas e médias empresas. E utilizar a normalização em novas tecnologias emergentes, ao elaborar normas técnicas como forma de consolidação de uma nova tecnologia. Dinheiro tem, mas a opção em investir no negócio chamado normalização pode não ser o foco, tanto do Inmetro como da atual diretoria da ABNT. Falta o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior cobrar mais de seus subordinados.
O ABNT ISO/IEC GUIA 59/1994 – Código de boas práticas para normalização deveria ser cumprido pela atual diretoria da ABNT. Em nível nacional, a participação deve ser organizada pelos organismos de normalização e pelos organismos nacionais de normalização de acordo com seus respectivos procedimentos de obtenção de consenso, os quais devem estabelecer que haja representação equilibrada de todas as categorias interessadas, tais como produtores, compradores, consumidores, etc. As oportunidades para contribuições efetivas e significativas de outros países devem ser organizadas sob o patrocínio dos organismos nacionais de normalização daqueles países e em cooperação com as organizações internacionais e regionais de normalização das quais esses países sejam membros comuns.
A aprovação formal das normas deve ser baseada em evidências de consenso. Todas as normas devem ser revistas periodicamente de modo adequado. Devem ser prontamente consideradas propostas para o desenvolvimento de novas normas ou de revisão de normas existentes, quando submetidas de acordo com procedimentos apropriados, por qualquer pessoa ou organização essencial e diretamente interessada, qualquer que seja sua localização. Todas as normas devem ser publicadas imediatamente. Cópias devem estar disponíveis em termos e condições razoáveis para qualquer pessoa, independentemente da sua localização.
Fazendo uma analogia com o Sistema Legal, pode-se dizer que o Decreto Lei está para a Lei, assim como o Regulamento Técnico está para a Norma. Dessa forma, a ABNT, apesar de ser uma entidade privada, tem fins eminentemente públicos. É sem fins lucrativos, foi reconhecida como de utilidade pública por Lei pelo governo brasileiro em 1962; é o foro nacional único de normalização, tendo sido reconhecida pelo Conmetro em 1992 pela Resolução de n°7; representa o Brasil nos foros regionais e internacionais de normalização; e responde pela gestão do processo de elaboração das normas brasileiras.
Finalmente, é importante a sociedade entender que a ABNT, por ser entidade de utilidade pública, é obrigada por lei a publicar todos os seus custos e os investimentos feitos. Salários dos diretores, despesas de viagens nacionais e internacionais, gastos jurídicos, etc. Mas, a atual diretoria da entidade, de forma ilegal, não procede dessa forma, justamente para não ser identificados os possíveis desvios de conduta de sua administração. A justiça tarda mas não falta.
Conheça os meus textos sobre a não transparência das prestações de contas da ABNT
Hayrton Rodrigues do Prado Filho é jornalista profissional, editor da revista digital Banas Qualidade, editor do blog https://qualidadeonline.wordpress.com/ e membro da Academia Brasileira da Qualidade (ABQ) – hayrton@hayrtonprado.jor.br – (11) 991055304.