O título desse artigo, em forma de uma pergunta simples, já se apresenta como uma provocação. Não é dessa forma que muitas vezes a imprensa apresenta um problema complexo ao cidadão comum?
O polêmico Projeto de Emenda Constitucional 171 que prevê a diminuição da maioridade penal de 18 para 16 anos tem sido tema de inúmeros debates entre opositores e defensores dessa proposta.
Os que defendem a redução costumam argumentar que os adolescentes têm sido os principais responsáveis por ondas de violência e criminalidade e que acabam se beneficiando da impunidade que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) supostamente lhes garante. São argumentos que parecem desconhecer o texto do ECA que prevê diversas formas de punição aos adolescentes infratores, conforme dispõe seu Artigo 112:
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I – advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços à comunidade; IV – liberdade assistida; V – inserção em regime de semi-liberdade; VI – internação em estabelecimento educacional; VII – qualquer uma das previstas no Art. 101, I a VI.
Ao contrário do que supõe o senso comum, os jovens infratores já são punidos e o mais surpreendente é que boa parte da população parece ignorar que somente 4% dos homicídios são cometidos por menores. Sem falar que a ideia de colocá-los em prisões comuns com presos adultos é desaconselhada pela grande maioria dos especialistas no assunto.
Assim, em vez de concordamos com uma política de encarceramento em massa que seria amplificada pela PEC 171, deveríamos garantir mais investimentos em políticas públicas para a juventude de nosso País, principalmente para o atendimento dos jovens das periferias que se encontram numa condição de vulnerabilidade. Uma vergonha internacional num País com as maiores taxas de desigualdade social do mundo.
Devemos considerar ainda que num contexto de desigualdade e exclusão social, a atual política de encarceramento em massa ocasionou um déficit de mais de 250 mil vagas no sistema prisional brasileiro. Além de ser deficitário, precário e degradante, há muitos anos o sistema prisional brasileiro se transformou numa fábrica de doenças, loucura e mortes. Uma realidade que em nada lembra sua função social de ressocializar.
Prof. Dr. Everson Araujo Nauroski é docente e coordenador do curso de Sociologia do Centro Universitário Internacional Uninter.
LUIZ MACEDO/AG. CÂMARA – Deputados comemoram aprovação da emenda que reduz maioridade penal para 16 anos
Brasília (AE) – O plenário da Câmara dos Deputados aprovou ontem à noite, em segundo turno, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos em casos de crimes hediondos, homicídio doloso (com intenção de matar) e lesão corporal seguida de morte. O tema, que tramitava há 22 anos na Casa, segue agora para o Senado. O PT promete voltar ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o trâmite da PEC na Casa. “Vou pedir ao Supremo para apreciar nosso mandado de segurança. A votação foi totalmente inconstitucional e antirregimental. Todas as regras foram violadas”, afirmou o vice-líder petista Alessandro Molon (RJ).
Na votação em primeiro turno foram 323 votos a favor, 155 contra a redução da maioridade e duas abstenções. Agora foram 320 a favor, 152 contra e uma abstenção. Por se tratar de mudança na Constituição, a proposta precisava ser votada em segundo turno e necessita de 308 votos para o texto ser mantido.
A votação rachou o plenário. Alegando que jovens menores de 18 anos hoje têm “licença para matar”, que casas de atendimento a menores já são presídios e citando crimes que chocaram o País, votaram favoravelmente à redução PMDB, PSDB, PRB, PR, PSD, PTB, DEM e Solidariedade. “Hoje estamos aqui para fazer história. Estamos ouvindo a voz da sociedade. O Brasil quer a redução da maioridade penal, a sociedade não quer mais perder seus filhos para a violência”, pregou a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ).
A liderança do governo, PT, PSB, PDT, PCdoB, PROS, PPS, PV e PSOL orientaram voto contra a PEC. “O que nós estamos fazendo não vai resolver a violência. Quem mata no Brasil é o adulto. O jovem pode se recuperar”, apelou o peemedebista Darcício Perondi (PMDB-RS), que votou na contramão de seu partido.
Em julho, uma manobra apelidada pelos deputados governistas de “pedalada regimental” viabilizou a votação do tema duas vezes. Deputados governistas acusaram Cunha de golpe e recorreram ao STF. Na ocasião, o ministro Celso de Mello disse não ver argumentos jurídicos para suspender a tramitação da PEC porque a aprovação da proposta dependia ainda da votação em segundo turno O ministro afirmou, no entanto, que sua decisão não impedia que um novo questionamento fosse feito no futuro.
Em nota divulgada antes do início da votação, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, reiterou sua posição contrária à PEC e destacou que a medida não vai diminuir a criminalidade. “A redução da maioridade penal é para nós algo insustentável. Caso isso seja aprovado nós teremos um erro jurídico, um erro do ponto de vista dos estudos científicos e um colapso no sistema prisional. Estaremos gerando mais violência e ferindo a nossa Constituição. Não podemos ser favoráveis a uma medida que trará enorme dano à segurança pública de todos os brasileiros”, afirmou o ministro.
O governo alega que a medida impacta negativamente as contas da União, podendo gerar um gasto anual de R$ 2,3 bilhões porque será necessário ampliar as unidades prisionais para manter aproximadamente 40 mil adolescentes presos por ano. “Não há como construir presídios para atender a essa demanda. E, ao invés de gastarmos bem, que é investir unidades onde se busque a ressocialização, estaremos gastando em presídios de adultos de onde dificilmente esses jovens serão recuperados”, insiste o ministro em nota.
O ministério defendeu mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como ampliação no tempo de internação dos infratores para crimes hediondos.
Bate-papo – Benedito Domingos Ex-deputado federal e presidente do PP-DF
‘Nós não somos a Suíça’
O senhor foi quem apresentou, em 1993, a PEC que acabou desengavetada neste ano. O que o motivou naquela ocasião?
A Constituinte de 1988 foi a primeira a prever a questão da maioridade penal, o que não havia ocorrido no Brasil anteriormente. Antes, se o menor agia com dolo, era criminalizado. Como se permitia apenas reforma após cinco anos, então apresentei a PEC em 1993, reduzindo a idade para 16 anos. Naquela época, a criminalidade nessa faixa etária já estava aumentando muito e se fazia da lei uma capa de proteção para atos criminosos.
O senhor acredita que esta situação permanece até hoje?
A criminalidade tem de ser parada porque hoje em dia piorou demais. A nossa visão não é de massacre – é de salvar o menor. Na medida em que ele tem um parâmetro, vai pensar duas vezes antes de se jogar no crime. Hoje, isso não acontece. Não há temor nenhum.
Por que a proposta não avançou na época?
A proposta acabou ficando parada na Comissão de Constituição e Justiça e não teve quem brigasse depois por aquela situação. Fui eleito vice-governador e, depois, deputado distrital. Não retornei mais à Câmara federal.
No plenário, a sua proposta original acabou alterada e, se aprovada, a redução passaria a valer apenas para adolescentes ligados a crimes hediondos e contra a vida. Como o senhor vê a alteração?
A redução apenas para os hediondos não é o ideal, mas já é alguma coisa porque representam os crimes mais violentos. Temos de ser realistas e analisar a realidade do Brasil. Nós não somos a Suíça, que tem um princípio de vida muito diferente. Falta sensibilidade humana a esses menores justamente pela proteção oferecida pela lei. Para que tenhamos a salvação dos nossos menores, é necessário esse remédio, que muitas vezes é amargo, mas é o que vai curar.