Por Lucas Melo
9h30 da manhã de um dia quente. Chão, colunas e paredes coloridas caracterizam o visual lúdico e acolhedor do local. As árvores dentro do muro balançam ao ritmo do vento, e suas folhas tremulando são uma das poucas coisas que produz som no ambiente. Mas, abruptamente, uma melodia calma, emanada de um alto falante, corta o ar quebrando o silêncio e sinalizando o início do horário do recreio na escola infantil. Dentro de pouco tempo os corredores e pátios são tomados por crianças alegres, enérgicas e visualmente padronizadas pelo uniforme azul e branco que ostentam. É hora de brincar.
De uma maneira geral, esse cenário é muito comum em instituições de ensino infantil. Algo que não é diferente no Núcleo de Educação da Infância (NEI), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), local onde a cena descrita acima foi presenciada. O colégio, localizado dentro do campus universitário da UFRN, é público e possui características que o colocam alinhado a várias outras instituições do município de Natal e do estado que têm o mesmo propósito: o de fornecer educação de qualidade para as crianças. Mas ele também carrega singularidades e aspectos que o diferenciam dos outros, entre eles, a preocupação constante com a formação integral do estudante e o tratamento dele enquanto sujeito. Isto faz do NEI um local de referência em ensino de qualidade.
Em setembro, o Ministério da Educação (MEC) divulgou os resultados do último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), tendo como referência o ano de 2017. O IDEB é um mecanismo usado pelo governo federal desde 2007 para avaliar a qualidade da educação básica no Brasil. Na prática, é um número (uma nota) que o MEC atribui às escolas de todo o país e que revela como essas instituições estão em termos de qualidade de ensino. Para chegar aos resultados, o MEC analisa dois aspectos: o fluxo escolar, isto é, a quantidade de repetências entre os alunos da escola, e as médias de desempenho de avaliações realizadas a nível nacional pelo próprio MEC, que, nesse caso, se dão por meio da Prova Brasil.
O NEI obteve, nesse cenário, em sua primeira participação na Prova Brasil, a nota 7.7, mostrando, na prática, como seu ensino diferenciado promove a boa formação dos alunos. Esse número é maior que a média nacional, de 5.8 para escolas públicas e de 7.1 para a rede privada. No Rio Grande do Norte, especificamente, a média foi de 4.6 para as instituições públicas e de 6.6 para as particulares. Para se ter uma ideia, a pontuação alcançada pelo NEI é maior até mesmo que a meta nacional estabelecida pelo MEC para o IDEB de 2021, que é de 6 pontos. Todos os dados estão disponíveis no portal do MEC e podem ser acessados livremente.
Explicar um desempenho tão bom assim não é tarefa difícil para alguém que está inserido nessa realidade e nesse espaço há oito anos. Essa é a situação da diretora do NEI, Elaine Santana de Oliveira, que, ao ser questionada acerca dos motivos que levaram a escola a obter um resultado desses, é categórica: “Não dá pra gente levar em consideração bons resultados na educação e pensar apenas em um fato. Eu acredito que isso se deve a um conjunto de fatores”. Entre eles, Elaine destaca as condições de trabalho no local, com ambientes pensados para a criança, tanto na estrutura física, como na organização cronológica, a qualidade dos professores, a ideia de fazer com que as decisões da escola sejam tomadas de forma coletiva, dando assim posição de participação para todos os profissionais, e a metodologia de ensino.
Esta última, inclusive, possui um caráter bastante diferente em relação ao que é normalmente praticado em outras instituições de ensino. A base dos conteúdos ensinados é pensada a partir das diretrizes nacionais, determinadas pelo MEC. Mas, além disso, o NEI busca constantemente incentivar a prática da pesquisa entre as crianças. Isso acontece da seguinte forma: a partir de uma abordagem interdisciplinar orientada pelos professores, os pequenos estudantes são provocados quanto à dúvidas que surgem na sala de aula entre eles. São perguntas simples e diversas sobre o mundo que eles ainda estão começando a conhecer. “Por que nós desenhamos as estrelas com cinco pontas se na verdade elas são redondas?”, “Qual a diferença entre cágado e tartaruga?”, “A baleia e o tubarão são peixes?” são alguns exemplos de questionamentos levantados pelos alunos, de acordo com a diretora.
A partir dessas indagações, e com a mediação dos professores, os estudantes vão interagindo com o conhecimento. Com isso, os conhecimentos acumulados pela humanidade são sistematizados. Essa abordagem utiliza uma metodologia denominada tema de pesquisa, que busca estimular a participação das crianças com a pesquisa.
Algo importante de se destacar é que “não são as avaliações externas que ditam o que é estudado no NEI”, como explica Elaine Oliveira. Segundo ela, “não construímos o nosso currículo e a nossa proposta pedagógica em função das avaliações externas. Ele se dá em função do que a gente acredita, de como se dá o processo de ensino e aprendizagem”. Para ela, tudo isso explica a nota 7.7 obtida no IDEB. “O nosso resultado no IDEB é fruto deste trabalho”.
História e funcionamento
A escola surgiu em 1979 como creche. No início, ela servia para atender às famílias de servidores da UFRN. Desde a década de 1990, no entanto, a instituição é aberta também ao público externo, funcionando como Colégio de Aplicação, vinculado ao Centro de Educação (CE) da Universidade, e oferecendo ensino infantil e fundamental até o 5º ano. Atualmente, estudam na escola 364 alunos, sendo 179 do ensino infantil e 185 do fundamental. Além disso, o espaço também funciona como local para a promoção de pesquisa e extensão.
“O NEI é uma escola que busca fazer a criança pensar bastante, promovendo o desenvolvimento dela muito rápido”. Esse é o depoimento de Genildo Medeiros, pai da jovem Beatriz Medeiros, de 5 anos, que estuda na escola há 4 anos. Ele diz que se sente “extremamente feliz” por sua filha estudar em um colégio de referência e reconhece que o NEI tem “excelentes profissionais, um corpo pedagógico maravilhoso e a parte administrativa extremamente competente. Só tenho elogios”, completa.
É um sentimento parecido com o da professora Milena Lira, que atua na escola em uma turma com crianças na faixa etária de 3 a 4 anos. Ela é formada em Pedagogia na UFRN, está há um ano e meio no NEI e diz que se sente muito realizada enquanto profissional. “Era meu sonho trabalhar aqui. Um lugar onde nós temos a possibilidade de estudar, de estar em contato com métodos de ensino inovadores e dispondo de uma boa estrutura física. É um sonho realizado”.
Inclusão
Uma preocupação antiga e constante da escola é com o processo de inclusão de estudantes com deficiência. Isso é uma prática feita pelo NEI desde a década de 1980, quando ainda não existia uma política oficial de inclusão por parte do governo brasileiro e das outras escolas. Hoje, o colégio possui 26 alunos com necessidades especiais espalhados em 17 turmas. Todas as salas de aula possuem dois professores e, no caso das turmas dos anos iniciais, um auxiliar de creche, o que garante um atendimento adequado às individualidades de cada criança.
“A criança é um ser integral. Nossos professores e auxiliares de creche estão todos envolvidos no cuidado com todas as crianças”, explica a diretora. Ela destaca que é importante identificar as necessidades de cada aluno para que seja oferecida acessibilidade adequada ao convívio escolar e aos conteúdos vistos em sala de aula. “Ela está em uma escola, então tem de ter acesso e vivenciá-la como os demais. Precisa participar de todos os momentos. Ela tem especificidades, como toda criança, mas as dela, em um ou outro aspecto, necessitam ser consideradas para que tenham essa acessibilidade. É nessa perspectiva de inclusão que trabalhamos: todos participam de todas as atividades”.
O IDEB e sua relevância
O bom resultado na avaliação do IDEB 2017 é um indicador da qualidade da educação oferecida pelo NEI, mas ele não funciona como um objetivo a ser alcançado. De acordo com a diretora, as práticas da escola não são pensadas para se obter boas notas nas avaliações externas, e sim para promover a formação integral do todos os estudantes. Mesmo assim, o fato de uma escola pública conseguir um índice mais alto que a média das escolas privadas do país é muito significativo.
Ela comenta sobre a importância da nota do IDEB para que “a sociedade brigue a fim de que as outras escolas públicas também tenham boas condições de trabalho, que os outros professores também sejam valorizados e que as crianças que estão em outras escolas públicas também tenham o direito de aprender. Qualquer escola pública pode alcançar bons resultados, desde que tenha condições adequadas para isso”.
Ingresso
Por se tratar de um Colégio de Aplicação, o NEI é aberto a toda a comunidade, mas a sua entrada se dá por meio de sorteio público. O próximo sorteio da instituição, referente ao ingresso de estudantes para o ano letivo de 2019, ainda não está marcado, mas o edital, com todas as informações sobre o processo, será divulgado no dia 20 deste mês no site da escola e na página do NEI no Facebook.
Fotos: Anastácia Vaz